Fazer política: a democracia e o autoritarismo



Existem várias concepções sobre a política. Uma das possibilida­des é concebê-la como atividade limitada, isto é, existem pessoas que admitem o fato de que a política leva necessariamente à corrupção, à exploração de classes, às promessas e demagogia. Essa concepção não é falsa, pois orienta-se a partir da atuação de alguns personagens pú­blicos que se utilizam da política como meio de dominação sobre as classes populares ou, simplesmente, com fins de ascensão pessoal.
Muito importante, entretanto, é perceber que a política não se resume na atuação desses personagens e nem se refere apenas às formas de governo numa sociedade. Política é uma relação social ampla: é qualquer atividade que se relaciona com o poder. Se a política envolve relações de poder, então o que significa exercer o poder?

Poder é a capacidade do indivíduo impor seus interesses frente a outros. Assim, em nossa sociedade, várias são as pessoas que possuem poder: um pai, um professor, gerente, padre, militar e outros. A partir do momento que as pessoas tentam defender seus interesses passam a fazer política, mesmo que não tenham consciência deste fato: uma filha ao questionar o poder de seu pai, faz política. Um padre ao questionar o poder do bispo, faz política. O aluno ao questionar o poder do professor ou da direção da escola, faz política.

Percebemos que fazer política é defender nossos interesses frente as formas de poder. Isso é bom e necessário, pois nesse momento estamos reivindicando nosso direito à participação em decisões que muitas vezes envolvem nossas vidas. Ao contrário, entender as relações de poder como algo limitado ou negativo serve apenas para nos afastar dessas relações, dando, por conseqüência, espaço para que outros uti­lizem o poder como meio de dominação.

Quando assumimos a vida como uma diversidade de atos políticos descobrimos a defesa dos nossos ideais, aprendemos a questionar, par­ticipar, duvidar, criar, exigir, transformar. Por isso, a política também envolve o debate, o esclarecimento e a conscientização das relações sociais que nos cercam. Isso, porém, não significa que a política seja uma atividade harmoniosa: o conflito está na essência do ato político, pois a diversidade de interesses surge entre os indivíduos quando estes se relacionam.

Tal aspecto não elimina a importância do ato político, pois é a diversidade conflitiva de idéias e práticas que contribui para o próprio desenvolvimento da democracia. Por isso que sociedades autoritárias procuram sempre ocultar o conflito, criando uma falsa imagem de harmonia social e, com isso, restringem o direito ao exercício da po­lítica que todos possuem. O conflito marca a diferença entre os indi­víduos, isso contribui para diferenciá-los da massa. O conflito perso­naliza, colaborando para a afirmação dos direitos de cada pessoa.

Quanto ao significado da palavra, os gregos já utilizavam o termo política por volta dos séculos III e II antes de Cristo. Para esse povo, o termo em questão deriva de outro: pólis ou seja, cidade e o conjunto das atividades referentes à vida na cidade. Ora, para o cidadão grego, a pólis era fundamental, pois era dentro dessas atividades referentes a vida urbana que surgem debates, participação, conflitos, enfim, é com a cidade grega clássica que nasce a política enquanto idéias e práticas.

Os limites da política na Grécia Clássica deram-se, entretanto, pelo fato dessa atividade não constituir-se num direito de todos. Eram reconhecidos cidadãos e com direito à política apenas os senhores, excluindo-se os escravos, as crianças, as mulheres e os estrangeiros.

O fazer política nos leva a refletir sobre a democracia e o auto­ritarismo. Na Grécia Clássica, a democracia é concebida inicialmente como a forma de governo do povo ou da maioria. A democracia, por­tanto, se contrapõe a duas outras formas: a monarquia (o governo de um só) e a aristocracia (o governo de poucos, da minoria). Também na Grécia Antiga prevaleceu a democracia direta, ou seja, todos os cidadãos a exerciam como um direito natural. Vale salientar, entre­tanto, que nem todos os indivíduos eram considerados cidadãos e esse fato limita o ideal democrático grego.

Será na sociedade burguesa e industrial dos séculos XVIII e XIX que a democracia passa a ser concebida como um direito irrestrito. Nesse momento, nasce a idéia liberal da divisão de poderes e do exer­cício do poder pela representação: na impossibilidade prática de mi­lhões de indivíduos exercerem o poder ao mesmo tempo, delega-se esse poder temporariamente a representantes elejtos pelo sufrágio uni­versal. Assim, a democracia representativa, seja do-tipo presidencialista (o poder executivo é valorizado) ou de tipo parlamentarista (o legis­lativo é mais valorizado), vem a constituir-se num dos princípios bá­sicos do liberalismo e a integrar a ordem burguesa. Essa repre­sentatividade, entretanto, não é fácil de ser exercida dentro da sociedade de classes. Em nome do povo já realizaram-se na história as mais cruéis tiranias.

Os limites da democracia representativa e liberal, entretanto, não contribuem para a descrença na democracia plena. Esta última, cons­tituindo-se em ideal e práticas, é perseguida por amplos setores da sociedade. Nesse sentido, a luta pela democracia não se esgota na realização das eleições e do voto livre. Mais do que isso, a democracia é a possibilidade real de reivindicar o direito à participação em qual­quer instância social: do trabalho ao lazer, do partido à família.

Lutar pela democracia é lutar pela participação e autonomia.

Isso implica num constante aprendizado: saber viver com as diferenças ao mesmo tempo que se partilha os bens. Saber articular a liberdade (diferenças) com a igualdade (partilha) é vencer o grande desafio para a consolidação da democracia. Lutar pela democracia é recusar as leis como eternas, é acreditar na capacidade humana de fazer, desfazer e refazer.

É preciso, por outro lado, perceber que a realização da democracia é constante e difícil. Há o risco permanente da recusa pela sua instau­ração. A história está repleta de exemplos. Quando há uma luta para transformar a democracia liberal na direção da democracia plena, a reação dos liberais e conservadores torna-se imediata: instauram um regime autoritário.

A grande característica do autontansmo consiste na extinção dos espaços de ação política por meio da censura, violência, impedindo a participação e a contestação. A sociedade autoritária é uniforme, oculta a oposição e todos parecem pensar da mesma forma. Ela é um desdo­bramento conservador da democracia liberal, pois quando os deten­tores do poder sentem-se ameaçados pela democratização plena, res­guardam seus privilégios utilizando-se da prisão, tortura, cerceando as liberdades e os direitos civis.

Foi assim na ascensão do "Fascismo" na Europa das décadas de 20 e 30. No Brasil durante o "Estado Novo" (1937-45) e mais recen­temente com o Regime Militar instaurado após 1.964. Mesmo sendo modelos diferentes de autoritarismo e com peculiaridades próprias, sempre houve nesses casos um limite à liberdade humana. Tais questões alertam para importância da luta pela democracia ser contínua, evi­tando as ilusões que a democracia liberal tende a nos provocar.
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