Diabete a um passo da cura?



A ciência está fechando o cerco ao distúrbio que atormenta mais de 240 milhões de pessoas
mundo afora. Células-tronco, vacinas e novos medicamentos abrem perspectivas de botar um ponto final no tipo 1 da doença e aumentar o controle sobre o tipo 2, aquele que a cada dia afeta mais gente.

O alvo das promessas tera­pêuticas que protagonizam esta reportagem é um mal em ascensão, temido como
merece ser uma das cinco maiores cau­sas de morte no planeta. A Federação Internacional de Diabetes estima que, daqui a 20 anos, 380 milhões de pessoas ao redor do globo enfrentarão a doença, que, não à toa, é uma das mais estudadas nos meios científicos. Para conter a ame­aça, os profissionais de saúde arriscam a busca de tratamentos mais potentes. E, para certos casos, esperam que essas tera­pias sejam mesmo definitivas. São duas as versões da doença e, tudo leva a crer, o caminho da cura se abriu ao tipo 1, que, apesar de menos frequente, não pode ser prevenido e, geralmente, se mostra mais avassalador.
Na corrida atrás de uma solução efeti­va para essa doença autoimune, que ine­vitavelmente exige a reposição de insuli­na todo santo dia, o Brasil está à frente. Um time da Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto, no interior do estado, conseguiu a proeza de reverter o diabete tipo 1 em seres humanos. É um feito único no mundo e isso lhes valeu o primeiríssimo lugar na categoria Saúde e Prevenção do  Prêmio SAÚDE.

Cautelosos, os vencedores evitam o termo "cura", mas o fato é que descobri­ram uma maneira de brecar o ataque em massa à fábrica de insulina, o pâncreas. Como? "Primeiro, demos um jeito de arrasar o sistema imune dos voluntá­rios, mas sem colocá-los em risco de vida", conta o endocrinologista Carlos Eduardo Couri, um dos autores. "Em seguida, usamos células-tronco - no caso, extraídas dos próprios pacientes ­para repovoar as forças de defesa", con­tinua. E esse exército novo em folha não encostou nem sequer um dedo no pân­creas. Trégua ou paz definitiva? Tomara que seja a segunda opção.

REMISSÃO DA DOENÇA

Entenda por que a terapia desenvolvida por cientistas brasileiros é capaz de banir o diabete tipo 1
1) Na doença, o próprio sistema imunológico se volta contra as células beta, unidades do pâncreas que fabricam a insulina. As forças de defesa enviam anticorpos para exterminá-las.

2) Para acabar com o ataque, os médicos submetem o paciente a sessões de quimioterapia. O objetivo é fazer as células-tronco hematopoéticas - aquelas que, mais tarde, formariam o arsenal imunológico - se desgrudarem do interior dos ossos.

3) Ao dar adeus à medula óssea, essas células caem na circulação, onde ficam soltas. Os cientistas, então, aproveitam para extraí-las do sangue e, em seguida, guardá-las no laboratório. Todo processo dura uns três dias e diabético volta para casa.

4) Passado um tempo, o paciente é internado de novo - só que agora são 30 dias de hospital para receber sessões pesadas de quimioterapia, que aniquilarão de vez o seu sistema imune. Sem defesas, ele permanece sob vigilância total, tomando, por exemplo, antibióticos.

5) No sexto dia de intemação, os médicos reintroduzem as células-tronco. Aos poucos, elas formam as novas unidades de defesa do organismo. Mas, por serem desprovidas de memória, não agridem as células beta. Em trégua, elas produzem insulina em paz.

"É um trabalho inédito mundialmen­te, realizado com pessoas de 12 a 35 anos com menos de seis semanas de diagnós­tico da doença", conta Couri. O tratamen­to tem mesmo de ser aplicado enquanto a doença é ainda recente. Quando o mal é mais antigo, as células produtoras de insulina já estão à beira da extinção e, portanto, de nada adiantará barrar ape­nas a agressão ao pâncreas - as fabri­quetas de hormônio que eventualmente tiverem sobrado talvez não sejam sufi­cientes para suprir o organismo.

Os resultados da experiência reali­zada em Ribeirão Preto são extrema­mente animadores. "Dos 23 indivíduos que se submeteram à terapia, 14 estão livres de insulina há mais de quatro anos", revela Couri. Imagine a felicida­de de um diabético ao se dar conta de que não precisa mais daquelas picadas diárias. "Esses indivíduos tratados estão sob controle, mas, ainda assim, devem manter uma alimentação completa­mente equilibrada e praticar atividade fisica", lembra o cientista. "É um trata­mento bem factível em escala maior. E talvez valha a pena, apesar de ainda não sabermos se o diabete voltará no longo prazo", comenta o endocrinologista José Marcondes, do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo.

O trabalho de Ribeirão Preto vem sendo bem acolhido pela comunidade médica, mas os próprios pesquisadores reconhe­cem os desafios que precisam ser venci­dos para a técnica ultrapassar o caráter experimental. "O tratamento ainda é caro, requer uma equipe muito bem treinada. Por isso, ainda não pode ser feito em qual­quer lugar", diz Couri. Além disso, tem lá os seus riscos. "No período de imunidade baixa, logo que destruímos o sistema de defesa original, o paciente pode adquirir infecções graves. Daí a necessidade de muitas doses de antibiótico", explica. "Por sorte, até o momento só dois indivíduos pegaram infecções assim e nenhum de­les morreu." Ou seja, aos poucos a terapia está provando sua segurança .

Na mesma marcha, lenta e segura, pes­quisadores da Universidade Linkoping, na Suécia, bolaram outra estratégia para frear o diabete tipo 1. Eles desenvolveram uma vacina, feita com uma enzima chamada GAD, que mora dentro das células beta. Quando essas células são agredidas e se rompem, liberam a tal substância, o que acaba atraindo mais unidades de defesa para dar pancada no pâncreas. "Ou seja, a GAD ajuda a amplificar o ataque", resume Freddy Eliaschewitz, que também é coor­denador médico do Núcleo de Terapia Ce­lular e Molecular da USP. O estudo sueco, realizado com 70 pessoas de 10 a 18 anos, mostra que a vacina reduz a agressão ao pâncreas porque ensina o sistema imune a parar de caçar o GAD. A doença então evolui mais devagar - mas evolui. Os vo­luntários imunizados ainda necessitam de aplicações diárias de insulina para contro­lar o mal, só que em doses menores. "O problema dessa terapia é que ela não age sobre a causa da doença, apenas não deixa que piore. Os pacientes continuam a ser diabéticos", diz Eliaschewitz.

Para o médico, outra esperança para si­lenciar de vez o tipo 1 está nos anticorpos monoclonais - já usados contra o câncer e a artrite reurnatóide. No caso do diabe­te, essas drogas de última geração, ainda sob estudo, seriam capazes de apontar sua mira precisa contra os linfócitos T que ameaçariam o pâncreas. "Bloqueados, eles não conseguiriam atacar a central de pro­dução de insulina", explica Eliaschewitz.

O mais provável, porém, é que o pote de ouro, ou melhor, a cura do diabete, esteja de fato nas células-tronco - especifica­mente nas mesenquirnais, retiradas da medula óssea, capazes de desempenhar diversas funções no organismo. Cientistas de todo o planeta - e o grupo de Ribei­rão Preto marca presença novamente - já começam a testá-las com o objetivo de aplacar a doença. A idéia agora é induzir esse tipo de célula-tronco a cumprir outra missão no pâncreas. "Ela regeneraria as células beta pancreáticas e, de quebra, re­criaria o sistema imune", anuncia Couri. Imagine só: um pâncreas a todo vapor, li­vre de agressões e com insulina garantida a vida inteira. A ciência, devagar e sem­pre, promete que um dia chegará lá.

A ciência também planeja aprisionar o diabete tipo 2. Ainda mais porque esse vilão se dissemina velozmente pelo planeta. Se de um lado o mal pode ser evitado com um estilo de vida que combine dieta equilibrada e exerácios fisicos, de outro as chances de cura pa­recem estar mais dlstantes do que a do tipo 1 - algo que pouca gente imagi­na. Até o momento, quando se fala em remissão do tipo 2 em seres humanos, o assunto não escapa da mesa de cirur­gia e vem cercado de polêmica.

Seriam dois os caminhos para elimi­nar esse diabete via bisturi. O primeiro é a cirurgia bariátrica, que, ao promover a redução do estômago, dá um basta aos quilos a mais. "Ela reverte o tipo 2 por causa da própria perda de peso", diz a endocrinologista Márcia Nery, chefe da Unidade de Diabetes do Hospital das Clí­nicas de São Paulo. Então só os rechon­chudos tirariam proveito dela? "O pro­cedimento nos mesmos moldes, só que para não obesos, tem mostrado algum sucesso, mas ainda é experimental", res­ponde a médica. A outra opção cirúrgica é uma controversa operação no intestino, que alteraria a síntese do GLPl, hormô­nio que instiga a produção de insulina. Não se tem clareza de que funcione pra valer - e os riscos são elevados.

No terreno dos medicamentos, os es­tudiosos pensam em novas armas para melhorar a ação da insulina. É o caso dos inibidores de DPP4, uma enzima que diminui a sobrevida do GLP1 e, assim, atrapalha o papel da insulina. O labora­tório alemão Boehringer Ingelheim pre­para para 2010 uma droga dessa família. "Ela é mais precisa e 100 vezes mais po­tente do que os outros inibidores", conta Marcus Magliano, gerente de pesquisas no Brasil. O mesmo laboratório investe também em um remédio dotado de ou­tra estratégia contra o mal: eliminar o excesso de açúcar do sangue pela urina. "Embora seus estudos sejam mais preco­ces, ele pode inaugurar uma nova classe terapêutica", diz Sonia Dainesi, diretora médica da Boehringer.

Enquanto todo esse arsenal não está ao dispor dos diabéticos, eles devem continu­ar de olho na dosagem da glicose, tomar seus medicamentos (se necessário, apli­car a insulina) e zelar por um menu ba­lanceado e pela prática de atividade nsica. "O problema do diabete é a necessidade constante de controle. As complicações não são causadas pela doença em si, mas porque ela está desgovernada", diz Mar­cos Tambascia, professor da Unicamp. Seja tipo 1, seja tipo 2, o diabético tem que fazer sua parte enquanto aguarda a cura.

UMA NOVA INSULINA

Quem padece do diabete tipo 1 ou apresenta o tipo 2 há mais de 20 anos precisa aplicar a versão sintética do hormônio diariamente. "O paciente tem de usar dois tipos de insulina: uma de ação prolongada
e outra de ação rápida, injetada imediatamente antes da refeição", diz o endocrinologista Marcos Tambascia, da Universidade Estadual de Campinas, a Unicamp. Determinar a dose certa costuma ser um tremendo desafio - sobretudo para crianças, idosos e portadores de qualquer doença. O risco é faltar apetite e a pessoa tomar insulina demais antes de comer. Daí, lá vem a hipoglicemia. Para contornar situações do gênero, surge uma novidade no mercado. "Trata-se de uma molécula chamada glulisina, que, dentro do corpo, faz as vezes de insulina e pode ser aplicada depois da refeição", explica Tambascia.

 Veja também:

Entendendo o diabete tipo 1
Entendendo o diabete tipo 2
Doença autoimune
















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1 comentários :

Dhyego disse... [Responder comentário]

Parabéns, ótimo post.

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