Ciência entre os extremos do senso comum e da ideologia



Quadro 1.6                                                                          
                                     
O problema central da metodologia é a demarcação científica, ou seja, a definição do que é ou não ciência. Por incrível que pareça, não há coisa mais controversa em ciência do que sua própria definição.

É sempre mais fácil definir pela exclusão, ou seja, definir o que a ciência não é. Podemos imaginar um es­paço contínuo, no meio do qual colocamos a ciência e nos extremos o senso comum e a ideologia. Ao dizer­mos que se trata de um espaço contínuo, aceitamos que os limites entre estas categorias não são estanques; pelo contrário, eles se superpõem nas orlas de contato.

O critério de distinção do senso comum seria o conhecimento acrítico, imediatista, que acredita na superficialidade do fenômeno. A dona-de-casa também sabe de inflação, porque percebe facilmente a subida . contínua dos preços; mas seu conhecimento do proble­ma é diferente daquele do economista, que tem para ele já uma teoria elaborada (ou várias) e uma avaliação críti­ca de profundidade. Podem-se colocar dentro do senso comum também modos ultrapassados de conhecer fenô­menos, considerados como crendices ou coisas seme­lhantes. O trabalhador rural pode ter seu método de pre­visão de chuva, usando como indicador importante o zur­rar do burro; o agrônomo se sentirá inclinado a rejeitar este método e a buscar outros indicadores tidos por mais críticos e realistas. Muitas doenças são curadas por mé­todos caseiros, resultantes de conhecimentos historica­mente acumulados; a medicina acadêmica pode aceitar certos métodos, mas há de preferir vias testadas por ex­periências críticas, realizadas em laboratórios de pesqui­sa. Em tudo, o critério de distinção é o espírito crítico no tratamento do fenômeno, traduzido em característi­cas como profundidade e rigor lógico.

O critério de distinção da ideologia será o caráter justificador deste tipo de conhecimento. Justificar, ao contrário de argumentar, significa buscar a convicção, a adesão, a defesa do problema em foco. Enquanto o sen­so comum costuma ser uma postura singela, a ideologia alcança níveis da maior sofisticação, mesmo porque sua arma mais vantajosa é seu envolvimento com a ciência, na procura de vestir a prescrição com a capa de descri­ção. Inclui a deturpação dos fatos em favor da posição a ser defendida, e chega mesmo à falsificação, quando atin­ge o nível da própria mentira. As interpretações diver­gem bastante quanto à importância do fenômeno ideo­lógico. havendo os que o julgam predominante e avas­salador (num mar de ideologia há pequenas ilhas dis­persas de ciência) e os que o julgam cada vez mais resi­dual (num mar de ciência restam ainda poucas ilhas de ideologia).

Encontramos ideologia na produção científica por­que, sendo a ciência um fenômeno social, não pode es­capar ao posicionamento político, manifesto ou latente. Encontramos senso comum porque não somos capazes de discursar sobre todos os assuntos com conhecimento especializado.

Aceitando-se, então, que a ciência difere do senso comum e da ideologia, quais seriam os critérios de cien­tificidade, para não ficarmos apenas numa definição por exclusão? Podemos imaginar critérios internos e exter­nos. Os internos são:

Coerência. Significa argumentação estruturada, corpo não contraditório de enunciados, desdo­bramento do tema de forma estmturada, dedu­ção lógica de conclusões.

Consistência. Significa a capacidade de resistir a argumentações contrárias.

Originalidade. Significa produção não tautoló­gica nem meramente repetitiva, representando uma contribuição ao conhecimento.

Objetivação. Significa a tentativa de reproduzir a realidade assim como ela é, não como gosta­ríamos que fosse.

Além destes, há ainda critérios externos, redutíveis à intersubjetividade, de que são exemplos a divulgação, a comparação crítica e o reconhecimento generali­zado.

A exigência de critérios externos decorre do cará­ter social e histórico da ciência. Equivale a dizer que a ciência não é um todo acabado. Uma ciência acabada destruiria a concepção de processo científico e perde­ria a noção de utopia da verdade. Toda teoria não pas­sa de um tijolo substituível no edifício inacabável da ciência. Equivale a dizer que o produto da ciência é passível de discussão, exceto se introduzirmos o dog­matismo.

Ao perigo do dogmatismo corresponde o do relati­vismo: não havendo possibilidade de fundamentação úl­tima, a ciência então não passaria de um jogo diletante e descompromissado, em que cada qual diz o que quer e aceita o que bem entender. Tal relativismo não é susten­tável sociologicamente, porque a ciência não é um fenô­meno individual, mas social, ou seja, a demarcação cien­tífica é feita mais pela comunidade que pelo indivíduo.

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