Metodologia de desenvolvimento do conhecimento econômico



A robustez de seus pressupostos e a constatação de que há traços comuns entre as diferentes abordagens da economia, notadamente quanto a seu significado e propósitos, não escondem por inteiro duas de suas mais desafiantes característi­cas: de um lado, a delimitação entre o senso comum e o conhecimento econô­mico cientificamente sistematizado; de outro lado, a vinculação da sistematiza­ção científica a paradigmas ideológicos.

Estas duas características resultam de duas diferentes situações:

1- O senso comum em economia. Na mais pura acepção marshalliana, a economia "cuida das atividades correntes da vida". Trata das ações, interações e reações de uma multiplicidade de agentes, que interfe­rem no processo econômico em caráter permanente, definindo expec­tativas, influenciando cursos de ação e interpretando causas e efeitos do ordenamento corrente de que participam. Decorrentemente, há em economia grande número de axiomas que derivam do quotidiano da vida e expressam o entendimento de cada agente ou o senso comum que se forma sobre causas e efeitos do ordenamento do processo eco­nômico.

2- A vinculação a paradigmas ideológicos. Em economia, não é fácil demarcar os limites entre o conhecimento científico e a acepção ide­ológica. De certa forma, esta dificuldade reforça as relações biunívo­cas da economia com outros ramos do conhecimento social. E faz sempre ressurgir, apesar da delimitação sistematizada de seu campo de investigação, seus estreitos laços com a filosofia, a política e a ética.

A dificuldade de delimitação entre senso comum, ciência e ideologia não se restringe, obviamente, à economia. No Quadro 1.6, constata-se sua extensão praticamente a todos os outros campos do conhecimento humano. Na econo­mia, porém, as dificuldades de delimitação parecem superar a de outros ramos, pela força e pela capacidade de pressão dos agentes econômicos e pela magni­tude dos interesses envolvidos. Por isso mesmo, é útil aprofundar esses concei­tos, notadamente quanto a seu significado e atributos. A clara compreensão de cada um deles tem muito a ver com a construção do conhecimento científico em economia e com sua compartimentalização usual.

Os principais atributos dos conceitos de senso comum, ciência e ideologia encontram-se sintetizados na Figura 1.6. Registram-se também ali, em ilustração gráfica, as interfaces entre os três conceitos.

O Senso comum. O entendimento do homem sobre o mundo que o cerca, tanto no âmbito de suas relações com as forças da natureza, quanto no que diz respeito às diferentes manifestações de sua inte­ração social, começa por um conjunto de conhecimentos acríti­cos, geralmente denominados pela expressão senso comum. À me­dida que o homem vai ampliando seu contato com a natureza e com seus pares, vai também acumulando novos conjuntos de habilidades e de práticas e, ao mesmo tempo, exercitando sua consciência, seu discernimento, seu tino e sua perícia. Por herança cultural, gerações que se sucedem ampliam, testam e submetem à provação experi­mental os conhecimentos acumulados que lhes foram transmitidos. Boa parte destes nada mais é do que um entendimento superficial acerca da coisa pretensamente conhecida e dominada. Outra parte resume-se à credulidade, em geral decorrente de tentativas primiti­vas e inacabadas de explicar o desconhecido. E outra parte não vai além da pratiddade, sem, contudo, explicar por que as coisas acon­tecem ou por que determinados fenômenos se manifestam. A este sistema de conhecimento, a que podemos chamar senso comum, deve-se expressiva parcela do domínio inicial do homem sobre os mais variados campos de sua atuação.

Construção da ciência. Partindo de sistemas de conhecimentos acrí­ticos, o homem vai, progressivamente, à busca do conhecimento científico. Da informação à consciência, do entendimento à inteligên­cia, da prática aos ensaios experimentais, o senso comum vai dando lugar à ciência, com o suceder das gerações. As práticas agrícolas rudi­mentares, por exemplo, deram lugar à agronomia experimental, à pes­quisa agronômica e à seleção genética de espécies vegetais. No campo das ciências humanas, a análise da interação espontânea ensejou a clas­sificação e codificação das mais variadas manifestações sociais, procu­rando-se conhecer as razões ou motivos das diferentes formas de com­portamento ou de reação do homem. Este novo conjunto de conheci­mentos, sistematicamente elaborado e experimentado, traduziu, em eta­pas sucessivas, a passagem do senso comum à ciência, cabendo notar que, na construção do conhecimento científico, o homem busca pelo menos três relevantes critérios de cientificidade. Primeiro, a coerência, significando falta de contradições, argumentação estrutura da, corpo não contraditório de enunciados, desdobramento do conhecimento de forma organizada, conclusões a partir de deduções lógicas. Segundo, a con­sistência, no sentido de resistência à argumentação contrária. E, tercei­ro, a objetividade, no sentido de reprodução da realidade como ela é, não como o observador gostaria que fosse.

Ideologia e normas. Integrando-se ao estado do conhecimento huma­no e reproduzindo seu posicionamento em relação ao mundo que o cerca, surge e se cristaliza um terceiro corpo de idéias e de entendi­mentos, que chamamos ideologia. A distinção entre ciência e senso comum fundamenta-se, como vimos, em um conjunto de critérios ge­ralmente aceitos; ainda assim, esses dois compartimentos não se podem considerar estanques, entrelaçando-se como elos de uma mesma cor­rente. Da distinção entre ciência e ideologia também resultam elos entre­laçados, não obstante os critérios com que se define a ciência sejam bem diversos daqueles com que se identificam as ideologias. Estas se caracteri­zam pela justificação, pelo partidarismo e pela normatização.

A ideologia surge da exigência de legitimação, comum às mais dife­rentes formas de ordenamento institucional. O campo em que gravi­tam as posturas ideológicas é diverso daqueles em que se acomodam o senso comum e a ciência. A ideologia expressa um conjunto de valores, crenças, convicções, prescrições e normas. Estas se desenvolvem a partir da necessidade que toda organização social tem de se legitimar. Ao contrário do senso comum e da ciência, as ideologias não buscam a neutralidade, a explicação simples e objetiva com que o homem procu­ra compreender o mundo que o cerca. O caráter diferenciador da ideo­logia é sua não-neutralidade. O discurso ideológico é predominante­mente partidário e significa posicionamentos políticos derivados de cor­rentes filosóficas e de interesses de classe. Ocorre, porém, que a justifi­cação ideológica encobre-se com o véu do argumento científico. Daí resultam os elos de encadeamento entre a ciência e a ideologia. E nem sempre é fácil separá-Ios, notadamente no campo das ciências sociais.

Geralmente, as ideologias (ou seja, a necessidade de legitimação de de­terminados ordenamentos institucionais) são veiculadas por grupos do­minantes ou por grupos que aspiram ao poder. Tem-se, assim, em geral, a ideologia dominante, à qual se contrapõem ideologias altemativas ou emergentes. Cada uma delas gravita em tomo de diferentes sistemas de valores, crenças e convicções; por isso, cada uma propõe normas dife­rentes para o ordenamento ou o reordenamento da sociedade, em suas mais diferentes manifestações, entre as quais se destaca a economia.

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