A escola e a reprodução social



A) A escola: reprodução da sociedade de classes

Nas teorias, a escola aparece ini­cialmente em nossa sociedade como se fosse instituição única, que trata todos os alunos da mesma forma e uma instituição onde se ela­boram o conhecimento e os valores sociais; capaz de preparar os in­divíduos para a vida em sociedade. No entanto, se essa é a idéia inicial que temos da escola, a partir do que estudamos na primeira unidade deste livro, devemos saber agora que as pesquisas e análises que Establet-Baudelot realizaram têm o mérito de demonstrar a parciali­dade dessa visão inicial: na verdade, a escola é a instituição mais efi­ciente para segregar as pessoas, por dividir e marginalizar parte dos alunos com o objetivo de reproduzir a sociedade de classes.
Para chegar a essas conclusões, que tentam desmistificar o papel da escola na sociedade capitalista, esses dois autores realizaram pes­quisas nas escolas da França, nas quais descobriram a existência de duas redes de escolarização: uma destinada aos filhos dos membros da classe empresarial e outra destinada aos filhos dos membros da classe trabalhadora.

A primeira classe social - por ser dominante - teria acesso às melhores escolas, seus filhos teriam tempo e recursos para estudar, enquanto os trabalhadores, sem recursos financeiros e por causa das jornadas de trabalho, são obrigados a se contentar com as piores esco­las, não atingem as notas necessárias para entrar nas melhores ... Além disso, para valorizar a sua educação, a classe empresarial conta com disponibilidade e recursos para freqüentar outras atividades que com­plementam a formação e educação escolar: pode participar de cursos especiais de línguas estrangeiras, música, dança ou ainda treinamentos e atividades esportivas. Por outro lado, a classe trabalhadora se vê limitada quando muito a freqüentar cursos noturnos, sem possibilidade alguma de freqüentar cursos complementares e de aperfeiçoamento.

Segundo Establet-Baudelot, a classe empresarial se escolariza pa­ra se perpetuar na condição de classe dirigente, dominante; são os alunos que conseguem terminar o curso secundário e ingressar num bom curso superior. A essa rede de escolarização da elite os dois au­tores atribuem a sigla SS (secundário/superior). Do outro lado, en­contramos a classe trabalhadora, que se escolariza perpetuando a con­dição de classe dirigida, dominada: são os alunos que mal conseguem terminar o primário e lutam para conseguir uma vaga em algum curso profissionalizante. Jamais chegam, enquanto classe, ao curso superior, são os excluídos. A essa rede de escolarização precária das massas, os dois autores atribuem a sigla PP (primário/profissionalizante).

Essa diferença na forma de escolarização da classe empresarial e da classe trabalhadora não aparece de forma clara; em outras pala­vras, as duas redes de ensino, SS e PP, coexistem de forma dissimulada. Aparentemente a escola se apresenta como sendo única, universal, oferecendo oportunidades a todos. Essa aparência se alicerça na ideo­logia.

Establet-Baudelot reafirmam a idéia de Karl Marx sobre a escola como instituição reprodutora da ideologia, instituição que serve aos interesses da classe empresarial precisamente por apresentar esses in­teresses particulares como se fossem os de todos. Nesse contexto, a escola reproduz os valores, as idéias, a cultura, o mundo da classe empresarial como o único mundo correto e possível.

Em resumo, o processo de escolarização é diferente para cada uma das classes sociais, embora a ideologia tente mostrar que é o mesmo. A classe empresarial recebe uma escolarização que lhe permite obter os conhecimentos necessários para o seu exercício de classe di­rigente. A classe trabalhadora passa por uma rede de escolarização que lhe possibilita apenas exercer um trabalho disciplinado dentro de sua condição de classe dirigida.

B) A linguagem que aparece na escola

Podemos, simplificadamente, entender pelo termo linguagem a forma ou o jeito com que transmitimos a outras pessoas os conhecimen­tos, valores, idéias. A linguagem é, portanto, a soma dos recursos que nos permitem divulgar informações. A linguagem não é única, pode dar-se de vários modos. Em relação à escola, podemos afirmar que a linguagem se apresenta, por exemplo, no discurso do professor ou nos seus gestos, no conteúdo dos livros ado­tados, nos programas de ensino, nas regras de convivência ou em normas disciplinares. Tudo são meios para expressar idéias, sentimentos e mo­delos de comportamento: tudo isso se constitui na linguagem da escola.

A linguagem é, segundo Establet-Baudelot, muito semelhante àquela que aparece na vida da classe empresarial. Em outras palavras, aquilo que o professor diz ou faz, aquilo que aparece nos livros e as regras da escola são na maioria dos casos semelhante ao que um pai de família de classe dominante fala ao filho, semelhante aos livros encontrados em sua casa e até semelhante às regras de convivência nesta família. Nesse sentido é que Establet-Baudelot afirmam que, para a burguesia, a escola é prolongamento da vida cotidiana, pois a linguagem que a classe empresarial encontra é a mesma utilizada em família.

Em relação à classe trabalhadora, dá-se o contrário: ao ingressar na escola, a criança pobre depara com uma linguagem da burguesia que não é sua. A criança pobre se encontra diante de uma maneira de falar ou agir do professor, diante de livros e conteúdos que não correspondem à sua vida cotidiana de trabalho, pobreza e sofrimento. Nesse caso, segundo Establet-Baudelot, para a criança da classe tra­balhadora a escola não é prolongamento da sua vida, é rompimento, é outra realidade: outro mundo, difícil de ser interpretado. Muitas vezes, a criança da classe trabalhadora não assimila os conhecimentos que a escola lhe transmite porque não entende a linguagem com que os conhecimentos lhe são transmitidos: a linguagem não tem ligação com o seu dia-a-dia. O universo escolar aparece aos olhos da criança pobre como ambiente estranho e ameaçador que a corrige a todo instante e acaba por inibí-la.

Em resumo, por tratar com a mesma linguagem crianças de classes sociais diferentes, a escola reproduz a desigualdade. Enquanto a criança da classe burguesa conhece essa linguagem, pois a vive no cotidiano, a criança pobre se encontra diante de linguagem nova que terá de dominar com muito esforço e sacrifício. Esse fato se reflete no apren­dizado dessas crianças, pois enquanto a primeira aprende com facili­dade, a segunda terá muita dificuldade. É óbvio que o desempenho da criança pobre na escola capitalista será diferente do desempenho da criança rica.

C) Explicação do fracasso escolar

O que discutimos no item anterior explica por que tantas crianças abandonam a escola depois de repetir a mesma série por mais de três anos consecutivos.
A criança da classe dominante - encontrando uma linguagem familiar ao entrar na escola - tenderá a ter ótimo desempenho, apren­derá com facilidade, terá as melhores notas e conquistará no futuro os melhores títulos universitários. A criança da classe dominada, ao entrar na escola primária, irá se defrontar com uma linguagem que lhe é estranha, terá dificuldades em aprender, as suas notas serão baixas até que, um dia, desmotivada, ou não podendo mais, abandonará a escola.

Com os argumentos desenvolvidos acima, Establet-Baudelot ten­tam desmistificar a idéia, muito comum atualmente, que atribui à pró­pria criança e sua família as causas do fracasso na escola.
Afirma-se constantemente que a criança pobre, mal-alimentada, não é inteligente; que a família desintegrada leva a criança a se de­sinteressar da escola. A criança pobre não se esforça e não gosta do ensino e por isso, através de suas próprias deficiências, não será capaz de vencer na vida. Com isso, inocenta-se a escola e se culpa o próprio aluno ou a sua família pelo fracasso escolar.

Mas Establet-Baudelot denunciam que a escola, sutilmente, atra­vés de sua linguagem, marginaliza a criança pobre. Esse contato com uma linguagem diferente daquela do cotidiano da classe trabalhadora já aparece no ingresso na escola primária. Inicia-se o processo de di­visão das crianças segundo suas origens de classe. É na série primária que encontramos os maiores índices de reprovação: encontramos tam­bém a formação de classes especiais compostas por alunos repetentes que passam (por isso mesmo) a ser postos de lado. Assim, a escola primária divide, e divide para sempre: aí começa o processo de exclusão da classe trabalhadora da escola.

D) Professores e alunos

Nos itens anteriores, percebemos que a análise de Establet­Baudelot sobre a escola na sociedade capitalista nos faz percebê-Ia como instituição a serviço da classe dominante que acaba reproduzindo a sociedade de classes. Dentro dessa concepção, o professor se apresenta também como elemento de reprodução das desigualdades sociais. Na sala de aula, a educação formal se concretiza e nela o professor tem papel importante. Em outras palavras, se a educação formal se apresenta na sala de aula e se a instituição está a serviço da classe dominante, pode-se concluir que o professor estará objetivamente a serviço dos detentores dos meios de produção.

Em que gestos isso se manifesta? Em primeiro lugar, segundo os autores, os professores aparecem como os primeiros a aceitar as normas escolares e a impor essas normas ao aluno. Em segundo lugar, os professores disciplinam os seus alunos para que produzam na escola como se produzissem numa fábrica, em função da recompensa-punição, porque é o professor quem recompensa alguns e pune outros.
Geralmente, o modelo de bom aluno que o professor tem em mente corresponde à criança que nunca pergunta, não reclama, sempre aceita o que o professor diz, não conversa e nem fica de pé na sala de aula, numa palavra: o aluno autômato, submisso. Ao contrário, o aluno que faz muitas perguntas, que nem sempre concorda com o professor; enfim o aluno que questiona é tido como mau e será punido muitas vezes com uma nota baixa.

É a partir do eixo recompensa-punição que o professor encontra meios para controlar seus alunos de tal forma que inibe aqueles que possuem valores sociais diferentes dos encontrados na escola, favore­cendo o aparecimento do aluno-padrão: o submisso. Nesse sentido, nem sempre a nota, prova ou avaliação correspondem a uma forma de medir o crescimento intelectual de uma criança. São instrumento de controle do professor para punir alunos tidos como maus, que às vezes são os mais criativos.

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